TORNOZELEIRA EMBUSTÔNICA

TORNOZELEIRA EMBUSTÔNICA

(exercício de futurologia)

                A tornozeleira eletrônica é a estrela da moda. Está com tudo mas não está prosa, pois falta no mercado.

O uso dessa sofisticada ferramenta, quase ferradura, não passa de um engodo para deixar soltos, no bem-bom, e não engaiolados, no bem-ruim, os bacanas.

Geringonça decorativa, engenhoca tapeadora, peça mistificadora, pode ser retirada e recolocada a bel-prazer de qualquer um. Quem garante a sua inviolabilidade?

O governo gasta uma fortuna (dinheiro abundante na cueca dos bem-nutridos assaltantes dos cofres públicos, nunca levados para a cadeia pelos seus crimes: dinheiro faltante no bolso vazio dos desgraçados de barriga mais vazia ainda, sempre levados para uma delegacia policial pelo “roubo” de restos de comida estragada da lata de lixo), uma fortuna mesmo, em equipamento e pessoal, para monitorar de araque os bem-cuidados torno-zelados.

Qual é o custo unitário do apetrecho que parece um complemento de luxo do sapato? Uma pepita, uma pepitona de ouro; no conjunto, uma mina de ouro que enriquece os garimpeiros do absurdo.

Será boato? Por escassez do protetor de calcanhar, para identificar o sujeito a ser rastreado, estariam rapando a cabeça do coitado, que assim fica carequinha da silva e marcado como gado. E quem já é careca mas inocente, como o ministro da justiça, por exemplo, como vai se justificar?

É verdade que muitos ficariam felizes com o corte gratuito do cabelo. Sentir-se-iam, eta mesóclise temerária, sentir-se-iam charmosos, poderiam cativar damas belas, recatadas e do lar, confiantes naquela velha musiquinha “é dos carecas que elas gostam mais”.

É verdade também que o esbanjamento tornozeleiro poderia ser evitado pelo governo, se ele substituísse o “castigo” caneleiro (com ou sem o aparato, se lhe der na telha, o cara bota sebo na canela e se manda), por outro castigo, este sem aspas, mais barato e eficaz.

Bastaria determinar ao rastreado, o seu comparecimento compulsório, algumas vezes ao dia, e não uma só vez, a uma certa delegacia policial, para ali “bater o ponto” (o ponto, não a carteira dos outros).

Assim, em lugar do ócio-prêmio com o adorno caneleiro que ninguém vê (ou só para inglês ver? Ei, Mr.! Mister! É misterioso mesmo), o rastreado teria a tarefa-castigo de percorrer, a pé (ou “de a pé”, como diz uma amiga querida), à vista de todo o mundo, o percurso da sua mansão à delegacia, e vice-versa; gastando a sola dos sapatos dele, e não a gasolina do Estado…

Se reconhecido na rua, poderia ser homenageado com xingamentos até agradáveis, porém impublicáveis.

Caso faltasse a alguma sessão na delegacia policial, teria cancelado o benefício e passaria a “residir” em uma colônia penal, para sentir quanto dói uma saudade.

A tornozeleira é moda passageira e logo logo estará descartada. O que fazer com o monte de peças prematuramente obsoletas?

Quem não se lembra dos “kits de primeiros socorros” e dos “extintores de incêndio”, obrigatórios nos porta-luvas e porta-malas dos veículos automotores, como se tais mercadorias fossem de necessidade diária constante, e não excepcional?

Depois que os fabricantes e seus sócios-legisladores encheram a burra com o comércio daqueles itens supérfluos, a ordem legal foi suspensa, de fininho, pelos próprios idealizadores.

O criador matou a criatura, pois já não dava mais leite para ser mamado.

Mamateiros safados!

Hideo Suzuki